segunda-feira, 27 de outubro de 2008

EUA: crise x eleições

Bem, como os assuntos do momento são a crise norte-americana e as eleições no país, resolvi postar um artigo de Joseph Nye que saiu recentemente no Mundo RI. Na verdade, fora publicado originalmente em 'Project Syndicate'.

Segue, então, o artigo na íntegra:

Crise eleitoral americana
Por Joseph S. Nye* - 24/10/2008

No dia 4 de novembro os americanos irão eleger seu 44º presidente em meio à pior turbulência financeira que o país já enfrentou, desde o início da Grande Depressão, em 1929. Ambos os candidatos são senadores dos Estados Unidos com pouca experiência como executivos, de modo que a capacidade para gerir a crise se tornou o tema central da eleição.

No início da campanha, muitos observadores previram que o Iraque seria o grande tema em 2008. Mas, a crise é o foco. Em princípio, isso está ajudando Barack Obama e os democratas, pois pesquisas apontam mais força para estes nas questões econômicas. Enquanto que o republicano John McCain tem mais peso sobre questões de segurança. Após a convenção republicana, em Setembro, McCain estava à frente nas sondagens. Mas, depois do colapso financeiro Obama assumiu a liderança.

Embora os dois candidatos tenham abraçado os R$ 700 bilhões de socorro para o setor financeiro, os contrastes entre eles são nítidos. Obama não é apenas o primeiro principal candidato afro-americano de um partido, mas também um dos mais jovens candidatos à presidência do EUA. McCain possui experiência como aviador naval e de mais de duas décadas no Senado. Se for eleito, ele será o presidente mais velho a assumir o posto.

Os dois diferem tanto temperamento, como em experiência. McCain é uma pessoa de fortes valores tradicionais, que orgulha-se da sua vontade de agir rápida e decisivamente. Ele agiu assim durante as negociações sobre o socorro financeiro, suspendendo sua campanha para voltar a Washington. Esse esforço parece ter falhado, pois os republicanos que ele conduzia brecaram o pacote.

Mas McCain tem-se mostrado resiliente. Em 2007, muitos desacreditaram na sua campanha, mas ele foi hábil em conseguir a nomeação republicana. Mas, a escolha da Governadora do Alasca, Sarah Palin, como vice-presidente abalou a campanha presidencial.

Obama, excelente orador, mostrou um comportamento frio e calmo em resposta às turbulências financeira e de campanha política. Quando envergonhado por comentários feitos pelo pastor de sua igreja, ele emitiu um excepcional discurso sobre a raça na América.

Mas, ele deve ter cuidado, no entanto, em relação à ao apoio popular nas sondagens eleitorais. Os presidentes americanos são eleitos por um Colégio Eleitoral no qual cada estado possui votos em número proporcional ao número de membros no Congresso. Uma vez que até mesmo os estados mais pequenos possuem dois senadores, isto leva a uma representação irreal.

Vale lembrar que em 2000 Al Gore venceu na votação popular, mas George W. Bush prevaleceu no colégio eleitoral. Assim, os dois candidatos estão com suas campanhas fortemente centradas sobre uma dúzia de estados nos quais os eleitores poderão oscilar, alterando o resultado no colégio eleitoral. Cada campanha está desesperadamente tentando avaliar o impacto da crise financeira sobre esses estados.

Não só o Colégio Eleitoral pode alterar as previsões com base nas sondagens nacionais, mas também existe a possibilidade de surpresas de última hora. Um erro em um debate presidencial pode virar a maré da opinião pública durante a noite, como aconteceu com o presidente Gerald Ford, em seu debate com Jimmy Carter em 1976. Inversamente, a eficiência de Ronald Reagan em seu debate com Carter em 1980 foi importante para sua vitória.

Outro evento que poderia alterar as previsões, seria um "Outubro Surpresa" com fatos associados ao terrorismo. Isso mudaria a ordem do dia da crise financeira para a segurança, deixando os republicanos mais fortes. Em 2004, pouco antes da eleição presidencial, Osama bin Laden divulgou um vídeo que poderia ter ajudado G. W. Bush derrotar o senador John Kerry. Do ponto de vista de política pública, isso auxiliou mais o Bush no recrutamento adeptos do que Kerry poderia ter feito.

Uma pesquisa recente da BBC em 22 países constatou que se o mundo pudesse votar, Obama venceria fácil. A margem pró-Obama foi de 82% no Quênia (onde nasceu o pai de Obama) e 9% na Índia. Mas os americanos não gostam interferência externa nas suas eleições. Quando Obama atraiu uma multidão de 200.000 pessoas para um discurso em Berlim no Verão passado, os republicanos criticaram-no como um elitista, que apela para multidões, mas não para os trabalhadores de colarinho azul em casa.

Por outro lado, em setembro, uma enquete que perguntou aos americanos sobre tarefas para o próximo presidente, 83% votaram em "melhorar a posição dos EUA no mundo", como mais importante. E, sem dúvida, a eleição do primeiro afro-americano como presidente serviria para restaurar o “soft power” que a administração Bush desperdiçou, ao longo dos últimos oito anos.

Há quem se questione se Obama seria tão bom também para o “hard power”. Nesse quesito, vale lembrarmos de Maquiavel: é mais importante para um príncipe ser temido do que ser amado. Maquiavel pode estar correto, mas às vezes esquecemos que o contrário do amor não é medo, mas o ódio. Maquiavel deixou claro que o ódio é algo que um príncipe deve cuidadosamente evitar.

Quando o exercício do “hard power” mina o "soft power", mais difícil se torna a liderança - como Bush descobriu após a invasão do Iraque. Tanto McCain quanto Obama possuem impressionantes habilidades organizacionais e poder político. Caso contrário, eles não chegariam onde estão hoje. Mas quando se trata do "soft power" e competências de inteligência emocional, visão e comunicação, Obama é melhor que McCain.

*Joseph Nye Jr. é professor da Harvard Kennedy School of Government e autor da mais recente obra The Powers to Lead.

Fonte: <http://www.mundori.com/web/view.asp?paNumero=1372>.
Copyright: Project Syndicate, 2008.
www.project-syndicate.org

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