segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A corrida eleitoral entre Obama e McCain: propostas para política comercial


por Felipe Mendonça e Thiago Lima

Diante das eleições presidenciais que se aproximam, uma pergunta emerge: qual o impacto que a conjuntura atual teve e terá na postura dos dois candidatos ao cargo? Mais especificamente, a Política Comercial sofrerá impactos mediante à crise atual e, conseqüentemente, com as políticas que serão adotadas seja quem for o próximo presidente? A reflexão histórica pode nos ajudar na resposta destas perguntas. Do final da Segunda Guerra em diante, a política Comercial dos Estados Unidos sofreu variações diretamente relacionadas, principalmente, a quatro tipos de variáveis: (1) a situação econômica e (2) os arranjos institucionais existentes e (3) as idéias e (4) a política estratégica.

Historicamente nota-se que um desempenho econômico positivo parece facilitar a intensificação de políticas internacionalistas em detrimento de arranjos mais paroquialistas. Por outro lado, com o aprofundamento de crises econômicas, os interesses mais nacionalistas ganham força. Tal constatação nos permite dizer que deteriorações na economia norte-americana tendem a favorecer o adensamento de políticas protecionistas. Tais demandas, em época de crise, são refletidas com mais nitidez no Congresso. Isso acontece porque Capitol Hill é mais permeável aos grupos domésticos. As Instituições também merecem destaque. Estas podem filtrar demandas protecionistas, favorecendo políticas internacionalistas, ou vice-versa. No caso norte-americano, as Instituições sempre enviesaram a Política Comercial para uma vertente mais internacionalista. Contudo, o Congresso, mais suscetível aos movimentos dos grupos de interesse, vem sofrendo nos últimos 50 anos uma gradual corrosão de suas políticas livre-cambistas. Já o Executivo, menos suscetível aos grupos de interesse, tem dado continuidade ao seu programa internacionalista com poucas variações, sem oscilar substancialmente com as alterações de governo.

As idéias também são importantes, embora abstratas e de difícil mensuração. Estas fornecem o mapa cognitivo da interpretação das crises. Enquanto o déficit comercial norte-americano não se mostrava como um problema muito sério nas décadas de 1950 e 1960, as alterações das interpretações do balanço de pagamentos fizeram com que tal tema fosse objeto de debate eleitoral na década de 1970 e principalmente na década de 1980. Atualmente temos visto novas interpretações surgirem nos jornais o debate a cerca da atual crise econômica norte-americana. Analistas de diversos campos divergem nas interpretações do cenário atual e nas projeções futuras. Contudo, o fato de o debate sobre “enfraquecimento do poder americano” ter retornado às manchetes já é suficientemente importante para possíveis alterações nas políticas econômicas dos Estados Unidos, com especial destaque para as políticas de comércio.

Por último, as variações no campo político estratégico permitem correlações com os períodos internacionalista ou nacionalistas. No auge da Guerra Fria, por exemplo, os esforços estavam concentrados nos temas de segurança militar, não havendo muito espaço para reivindicações estritamente comerciais. Com a diminuição do conflito, criaram-se condições para o surgimento do debate em torno de novos temas ligados ao comércio, como serviços, propriedade intelectual e investimentos, assim como para uma postura mais nacionalista. Atualmente, assuntos tais como a Guerra ao Terrorismo, o fornecimento de energia, a imigração e a crise financeira, entre outros, tendem a ofuscar os assuntos de comércioEm suma, a história da política comercial dos Estados Unidos tem demonstrado que quando eleições coincidem com crises econômicas agudas. Além disso, as Instituições, idéias e estratégias não podem ser ignoradas.

Atualmente, o cenário que se esboça nos Estados Unidos nos permite concluir que algumas mudanças devam ocorrer. Embora com um cenário político estratégico desfavorável, a situação econômica deterioridada e com forte apelo popular, as Instituições congressuais cada vez mais permeável aos grupos de pressão, as teses declinistas que se intensificam e ganham cada vez mais espaço na mídia, aliadas ao provável aumento da maioria Democrata no Congresso dos Estados Unidos, deve fornecer a combinação ideal completar parte do impulso rumo a modificações na política comercial.A outra parte virá das propostas do novo chefe do Executivo. Por este motivo, faz-se necessário conhecer as propostas dos presidenciáveis. Observá-las é relevante do ponto de vista brasileiro, pois essa é uma das áreas de maior engajamento de nosso governo nas relações internacionais e qualquer estratégia adotada deve levar em consideração o papel dos Estados Unidos.

A política comercial é um campo em que é possível distinguir com razoável clareza as posições dos dois candidatos. O Republicano John McCain apresenta forte posição em defesa da liberalização comercial, com leves ajustes à maneira como vem sendo conduzida pela administração Bush, enquanto o Democrata Barack Obama mostra grande crítica à tal política. McCain votou a favor de leis de liberalização comercial em 88% dos casos, enquanto o histórico de Obama é de 36%.É preciso destacar que Obama tem um tempo muito mais curto no Legislativo do que seu adversário e um grau maior de abstenção em votações.

O posicionamento de Obama parece muito afinado com a agenda que a maioria do Partido Democrata tem defendido desde o final da Guerra Fria. Para Obama, a política comercial tem integrado os Estados Unidos a uma globalização que não tem produzido benefícios para a classe média e em especial para os trabalhadores menos qualificados. Existem motivos internos e externos para isso. Internamente, alguns setores carecem de competitividade e precisam de auxílio para se ajustar à competição internacional, principalmente no caso de trabalhadores pouco qualificados. No plano externo, algumas práticas de outros países criariam vantagens injustas para aqueles países em detrimento dos Estados Unidos. A principal crítica seria ao mercado de trabalho nos países parceiros que pagam salários considerados muito baixos e que não fornecem ou não possibilitam condições de dignidade para os trabalhadores. Isso baixaria os custos de mão-de-obra nesses países, resultando em desemprego nos Estados Unidos.

Uma outra condição que torna a competição injusta contra os Estados Unidos, segundo os Democratas, são as regras de proteção ao meio ambiente. Estas seriam menos rígidas em outros países, permitindo que empresas operem com menores custos e exportem aos Estados Unidos. Com relação a esses grupos, cabe apontar que a posição não é protecionista, mas sim de atrelar medidas de proteção aos acordos comerciais, ou seja, pode haver apoio à liberalização, desde que acompanhada de regras ambientais mais justas.

No debate norte-americano o posicionamento sobre o NAFTA é bastante significativo. Enquanto McCain se apresenta como um defensor do acordo, Obama o critica veementemente, basicamente pelos motivos aludidos acima, defendendo inclusive a reforma do acordo. No que toca aos trabalhadores deslocados por conta da competição, McCain reconhece que isso é um problema e que a solução pode ser obtida por três vias: a primeira seria reformar o Trade Adjustment Assistance, um programa federal que fornece recursos para treinamento e recolocação de trabalhadores deslocados pela competição internacional, algo que Obama também defende, mas de maneira mais profunda; a segunda seriam os ajustes próprios do mercado, isto é, que setores ineficientes devem deixar de existir, preferencialmente migrando para atividades mais eficientes; a terceira via seria aumentar as exportações, inclusive por meio de acordos de livre-comércio.

Nesse sentido, McCain defende os acordos ratificados durante a administração Bush e a necessidade de um acordo de livre-comércio hemisférico, algo que não é visto nas posições de Obama. As divergências entre os dois senadores candidatos ficam claras quando a discussão é o CAFTA-DR e o acordo com a Colômbia. McCain é favorável aos acordos e Obama é contrário a eles. Adicionalmente, quando os candidatos se posicionam em relação ao acordo com a Colômbia, McCain deixa explícito que a política comercial deve ser utilizada como instrumento de política externa, podendo ser empregada como incentivo ou mesmo recompensa aos aliados políticos. De modo mais geral, McCain propõe a criação de um bloco ou liga democrática em que uma das características seria a liberalização comercial em detrimento dos países não democráticos. Já Obama, pelo menos no que toca à América Latina, argumenta que é preciso diminuir a ênfase na política comercial como meio relacionamento de político com a região.

Na área agrícola, McCain também apresenta uma posição mais forte pela liberalização comercial. O aumento da competição contribuiria para baixar os preços nos Estados Unidos e no exterior, contribuindo para amenizar a crise dos alimentos. No plano interno, a competição contribuiria para selecionar segmentos agrícolas nos quais os norte-americanos conseguem ter eficiência. Nessa mesma linha, McCain é forte crítico dos subsídios agrícolas e votou contra as Farm Bills de 2002 e 2008. Sua principal contestação é que são os grandes produtores que recebem os subsídios e por isso a liberalização deve ser negociada. Obama é protecionista na área agrícola, sendo favorável aos subsídios agrícolas. Votou pela aprovação da Farm Bill de 2008.

No que toca ao etanol, produto que aproxima o tema agrícola do energético, Obama se mostra favorável à eliminação de barreiras ao comércio do produto, mas somente quando a produção nos Estados Unidos for competitiva. Até lá, sobretaxas e subsídios devem vigorar. A posição de McCain é pela eliminação dos subsídios e das barreiras ao comércio do produto.

Sobre propriedade intelectual, Obama argumenta que deve haver flexibilização das regras de propriedade intelectual em casos de saúde pública nos acordos comerciais promovidos pelos Estados Unidos, algo que vai na contra-mão dos esforços norte-americanos da década de 1990 e dos anos 2000 de enrijecer a proteção às patentes farmacêuticas. A modificação do acordo com o Peru nesse sentido foi um dos motivos que atraiu o apoio de Obama à ratificação desse acordo.

Na campanha de Obama consta a proposta de fundar um novo consenso doméstico capaz de tornar os Estados Unidos competitivos no cenário internacional, assim como para viabilizar politicamente a política de comércio internacional. Essa proposta permite dois comentários finais. Primeiro: seria essa proposta o reconhecimento de que os Estados Unidos perderam competitividade sistêmica? Uma resposta afirmativa parece ser exagero, mas questionar a competitividade norte-americana é algo um tanto quanto inusitado. Tradicionalmente o discurso dos altos políticos tem sido que, leveling the playing field, os norte-americanos podem competir com todos e vencer muitos. Segundo: a proposta reconhece a fratura política doméstica e propõe reconciliação. Mas é interessante pensar até que ponto o Democrata poderia ceder sem alienar suas bases em uma sociedade polarizada. A mesma questão se coloca com ainda mais força a McCain, já que a maioria Democrata no Congresso deve aumentar nessas eleições. De todo modo, superar a fratura e recuperar o bipartidarismo é fundamental para o Estado voltar a ser plenamente ativo na política comercial, condição necessária para avanço da Rodada Doha. Doha, OMC, multilateralismo comercial, aliás, foram temas pouco pronunciados pelas campanhas e em baixa profundidade, ao menos no que pudemos notar. Seria esse um daqueles casos em que o silêncio diz as coisas mais relevantes?

Filipe Mendonça é mestrando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC).

Thiago Lima é Mestre em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC (thiagomasi@uol.com.br).

Fonte: <http://meridiano47.info/2008/10/11/a-corrida-eleitoral-entre-obama-e-mccain-propostas-para-politica-comercial-por-felipe-mendonca-thiago-lima/#more-418>

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